06. O mercenário, o nobre e o trem dos mortos



“Ondas? Areia? Onde estou?”.
Nash abria os olhos e viu toda a extensão do mar à sua frente. Sentia o vento soprar sobre sua face.
Um sorriso brotou em seus lábios.
Levantou-se e se espreguiçou. Suas costas estalaram.
Forçou para tentar se lembrar o que estava fazendo ali. Aos poucos algumas imagens iam aparecendo em sua mente: Vargas, seu irmão, uma moça com cabelos verdes, um polvo falando...
– Polvo falando? Mas que raios era aquilo? – pensou alto. – Preciso ir para Narshe!
Olhou em volta e viu ao longe uma pequena casa. “Talvez alguém poderá me informar onde estou”, pensou consigo.


Em frente a casa havia um poço, onde um sujeito estranho, vestindo roupas negras, dava água para o seu cão. Aproximou-se e perguntou:
– Hey! É um viajante, não é? Pode me dizer como chego à Narshe?
– O império construiu uma base depois da floresta.
– Já chegaram ali?
– Parece que querem destruir o castelo de Doma.
– Doma, hein? – comentou triste. – Mas eu preciso ir para Narshe.
– Então tem que passar por Doma! Eu te mostro o caminho! Mas já vou avisando, posso partir a qualquer momento.
– Tudo bem – concordou Nash. – Então vamos!
– Prepare-se, pois a morte está sempre um passo atrás de mim.
Nash ia dizer algo quando sua barriga roncou, percebeu que havia passado um bom tempo depois da sua última refeição.
Bateu à porta da casa. Como ninguém atendeu abriu a porta e entrou devagar.
– Hey! – uma voz chamou-o de dentro da casa. – O senhor é o homem dos reparos, não é? Estou te esperando há séculos!
A voz era de um homem idoso, tinha estatura baixa e um bigode branco.
– Aquele relógio na parede não trabalha há um ou dois anos! Se bobear três!
– Hã... não, não sou o homem dos reparos.
– Então você é o cortador de grama! Vá lá fora! A grama já está com oito metros de altura lá atrás!
Nash olhou para seu companheiro que retribuiu o olhar de espanto.
– Hã... nós gostaríamos de algo pra comer – pediu ao velho.
– Desculpe, os meus modos.
Preparou então a mesa para os dois, que se serviram sem demora.

– Chega de descanso! Conserte o fogão agora! – insistiu o velho enquanto o irmão do rei ainda mastigava sua refeição.
– Desculpe! – disse ao terminar de engolir. – Não conserto fogões...
– Meu Deus! Então você... você veio arrumar a minha cama! Ela esta estalando por todo lado!
O rapaz se levantou para colocar o chá sobre o fogão, quando encostou sem querer, queimando-se.
– Ow! Nem uma criança deixaria o fogão aquecer deste jeito!
– Crianças? Não existem crianças por aqui! – o tom de voz do velho havia se alterado para algo mais grave, beirando a raiva. – Suma daqui! Ou te atiro em Veldt!
Veldt era uma extensa área selvagem localizada ao sul da casa do velho, onde havia uma grande quantidade de criaturas perigosas que vagavam por toda a sua extensão.
Vendo a irritação do velho os dois saíram da casa.
– Que velho louco! Prefiro levar um tiro no olho do que me meter com este sujeito outra vez – disse Shadow para Nash, após deixarem a casa. – Para chegar a Doma, precisamos passar pelo acampamento do império.Venha Interceptor! –chamou seu cão, enquanto deixava a casa do velho para trás.
– Vamos então!
Rumaram para o norte por meio dia. Já eram cerca de duas horas da tarde, quando chegaram ao acampamento. Correram para atrás de um muro bem próximo às barracas e se agacharam.
– Há soldados por toda a parte – disse Shadow observando a movimentação dos guardas, enquanto acariciava a nuca do seu cachorro.
– Já sabe? – perguntou um soldado a outro que passava.
– Sobre o Kefka?
– Shiu! Se ele te ouvir estamos mortos! – advertiu o primeiro olhando preocupadamente ao redor. – Se o general Léo morresse, o Kefka passaria a ser o homem com mais poder no império depois do próprio imperador!
– Não me faça rir! – riu o outro – Uma besta como o Kefka?
– Shiu!!! Já te avisei para ter cuidado!
– Tá bom, tá bom!
Olharam então para a direita deles, Shadow e Nash não conseguiam ver nada.
– Falando do diabo... Vamos voltar para os nossos postos...
Voltaram à sua rota de vigia.
– Hey vocês dois! Estão prestando atenção no trabalho?
– Sim senhor! Está tudo bem com o senhor, senhor Kefka?
– Por favor, poupe-me da sua graça e faça o seu serviço! – disse Kefka ao retirar-se.
– Gostaria de dizer na cara dele que o general Léo é muito melhor que ele! – disse o segundo guarda.
– Shiu! Não te avisei pra ter cuidado! – advertiu novamente o outro. – Mas tem razão, o general Léo é muito mais humano.
– É verdade...
Então um outro soldado, com uma patente maior, devido à sua armadura, ordenou:
– Vamos atacar o castelo agora! Vocês vão para a equipe de ataque!
E saiu seguindo dos soldados que vigiavam aquela área.

*****

O castelo de Doma já possuía alguns destroços na frente de sua faixada, devido a ataques anteriores do império.
Agora estava a beira de um novo ataque.
– Ao ataque! – gritou o comandante imperial.
Os soldados atiraram-se contra a muralha do castelo na tentativa de romperem seus muros.
Os soldados de Doma, recuavam.
– Não conseguimos detê-los! Eles são muitos! – irrompia os salões do castelo um dos guardas desesperado.
– Parece que finalmente chegou a hora da grande Doma cair...
– Esperai! Eu cuidarei de tudo! – um nobre adentrava o salão principal – Se derrotarmos o líder deles, com certeza desistirão! Deixai-me tentar!
– Senhor Cayenne! Cuidado!

Abriram-se os portões do castelo de onde saiu um único homem. Com passos decididos rumou em direção ao comandante imperial. Sua coragem e determinação impediam os soldados imperiais de atacá-lo.
– Eu sou Cayenne, defensor do rei e do castelo de Doma. Preparai-vos!
O comandante riu, sacou seu machado e posicionou seu escudo.
Cayenne segurou sua espada presa à cintura e aguardou.
Todos os soldados pararam por um instante, para acompanhar a vitória do seu comandante.
Vendo que seu oponente não apresentava elmo ou escudo, apenas sua armadura e sua espada, o comandante largou seu grande escudo de lado, empunhou seu machado com suas duas mãos e atirou-se contra o oponente.
O guerreiro do rei, com passos ágeis, avançando em direção ao seu oponente, sacou sua katana e desferiu quatro golpes certeiros, levando o comandante ao chão.
Um silêncio desconfortante tomou conta do local.
– O comandante foi derrotado! – berrou um dos soldados – Retirar!
Os soldados correram para longe de Doma.

*****

Aproveitando-se da calmaria do acampamento Shadow e Nash entraram em uma das tendas próximas de onde estavam. A tenda era grande, havia uma mesa no centro, alguns caixotes acomodados do lado esquerdo da mesa e um baú do lado direito.
– Vamos ver o que os soldados guardam! – disse Nash indo ao encontro do baú.
Como estava trancado, não pensou duas vezes e deu um soco no cadeado que se rompeu.
– Que barulho é este? – alguém disse do lado de fora da tenda.
Nash olhou para Shadow, que já se escondia atrás do baú, acariciando Interceptor para que não fizesse barulho. Desesperado ao ouvir passos pulou por sobre a mesa e se agachou atrás dos caixotes.
– Juro que ouvi um barulho daqui – disse o guarda parado entrada da tenda.
– Miau! – miou Nash atrás dos caixotes.
– Ah! É apenas um gato.
Quando o soldado se retirou Shadow olhou com olhar de desaprovação.
– Ué! Não nos pegaram não é?
Shadow rumou para a ponte sobre o rio que cruzava o acampamento.
– Não quer dar uma olhada na outra tenda? – perguntou o jovem para Shadow.
– Chega de gatos!
Avançaram furtivamente pelo acampamento até encontrarem um soldado que conversava com seu superior.
– General Léo, parece que os soldados de Doma voltaram para o castelo.
– Hmm... então essa é a estratégia deles!
Léo era um homem alto e forte, tinha cabelos louros bem curtos e uma pele morena.
– Estamos prontos para atacar a qualquer momento! Aguardamos apenas a sua ordem!
– Não. Se atacarmos agora, muitos morrerão, tanto nossos como os de Doma.
– General! Eu daria a minha vida pelo império! – respondeu prontamente o soldado.
– Você é de Maranda, não é?
– S... sim, senhor! – hesitou o soldado. – Porquê?
– Pense o quanto sua família iria sentir se morresse! Você tem uma vida a sua espera, não a jogue fora em algo tão estúpido como a guerra! Tenho certeza que o imperador Gestahl não gostaria disso...
– Sim, senhor!
O soldado prestou continência e se retirou, entrando em uma barraca próxima.
– General Léo! – outro soldado vinha apressadamente. – Um pombo trouxe esta mensagem.
Léo leu a carta que o soldado lhe entregara e um espanto tomou conta de seu semblante.
– Como? O imperador me convocou para uma reunião! Devo partir imediatamente!
– Sim, senhor!
– Muito bem! Doma está em suas mãos. Por favor, tentem não matar inocentes!
– Sim, senhor! Deixe tudo conosco senhor!
Léo prestou continência ao seu subordinado e partiu.
– Aquele é o general Léo? – perguntou Nash ao seu companheiro. – Parece ser muito bondoso, nunca diria que fazia parte do império.
Avançaram novamente no intuito de deixarem logo aquele acampamento e encontraram Léo conversando com outro homem.
– Kefka, o imperador me chamou! Espero que não arranje problemas por aqui!
– Covarde! Vai ver como darei conta de tudo em um instante!
– Pare de armar! Todos somos iguais! Você não é nem mais nem menos do que qualquer pessoa em Doma!
– Eles não passam de restauradores!
– Eu devo partir! Tente controlar a sua loucura Kefka! – disse Léo, enquanto se afastava.
– Sim, vá logo embora! – resmungou Kefka, enquanto o outro general tomava seu caminho. – Agora que Léo foi embora, poderei envenenar Doma!
– Soldado! – chamou um soldado que passava por ali. – Onde está o veneno?
– Mas o general Léo disse...
– Ele foi embora! Agora quem manda aqui sou eu!
– Mas ainda existem muitos soldados nossos no castelo! Se usarmos o veneno agora...
– Obedeça ou morra!
O soldado buscou um galão cheio e o entregou a Kefka. Em posse do veneno, avançou em direção ao rio, que se encontrava atrás de onde Shadow e Nash observavam.
Quando Nash percebeu o que Kefka faria, posicionou-se em frente ao general louco.
– Pare!
– Quem é você? – perguntou o general com tom de desprezo. – Quer morrer?
Sem dar tempo para que os dois se defenderem atacou acertando Nash, que, sem perder tempo, contra-atacou empurrando-o para longe, quase caindo.
– Kefka! Pare!
Kefka gargalhou alto.
– Acha mesmo que tenho tempo para vocês?
Então correu tentando despistar os dois, que corriam atrás na tentativa de impedir que jogasse veneno no rio.
Quanto mais penetravam no interior do acampamento, mais viam como o império estava equipado, havia armaduras magitek por todo o lado além de robôs com armas.
– Espere! – gritou Nash.
Kefka correu para perto de um grupo de soldados que observavam a cena.
– Merda! – reclamou Kefka e ordenou. – E se vocês me ajudassem com esses mosquitos persistentes?
Os soldados se espalharam, impedindo a passagem dos dois.
Enquanto Nash e Shadow batalhavam com os soldados imperiais Kefka correu até o rio que passava pelo acampamento e também pelo castelo de Doma, e esvaziou o galão de veneno.
– Hahaha! Daqui a instantes ouvirei a sinfonia de milhões de pessoas gritando à morte!

*****

– Senhor Cayenne! – gritou o guarda de Doma que observava da torre o acampamento do império. – O acampamento está agitado! Devem estar planejando alguma coisa!
Cayenne correu para a torre e observou.
– Hum? A atmosfera ficou esquisita.
– Olhe! – o guarda apontou para a parte do castelo próxima ao rio.
Cayenne olhou e se assustou. Haviam alguns guardas estirados ao chão, olhou mais a frente, para a muralha do castelo, onde haviam mais, um deles cambaleando trombou com o parapeito do castelo e caiu muralha abaixo.
– Malditos! Envenenaram a água!
– Miseráveis! – concordou o guarda espantado.
Uma palidez tomou conta de Cayenne.
– Mantenha a guarda! – ordenou.
Correu então para o interior do castelo, e, ao entrar, outro guarda correu ao seu encontro gritando:
– Senhor! O rei! Rápido!
– É verdade, não havia lembrado de vossa alteza!
Apressou-se para a sala real.
O rei jazia deitado ao chão.
– Alteza! – disse espantado enquanto corria para acudir o rei.
O rei de Doma era jovem, possuía cabelos castanhos longos e uma grande capa vermelha cobria-lhe as costas.
– Quem... é?
– Sou eu! Cayenne, majestade!
– Meu Deus, então estou mesmo cego.
– Aguentai firme!
– Cayenne... Vós haveis defendido este reino desde os tempos de meu pai... – foi tomado por uma crise de tosse – ...obrigado, caro amigo, mas... está tudo perdido... Doma morreu...
Cayenne negava com a cabeça.
– Alteza!
– A vossa família... – o rei deu um grito de dor e colocou as mãos sobre o peito – meu... peito...
– Guardai as forças! Não falai!
– Protegei a vossa família, Cayenne – uma nova crise de tosse tomou o jovem rei, que cuspia sangue.
– Alteza!
Era tarde, o veneno de Kefka havia feito mais uma vítima. Cayenne levantou-se quando o sentinela entrou.
– Senhor Cayenne... – o sentinela já sabia o que havia acontecido ao encarar o semblante do outro.
– Tem que haver sobreviventes!
– Vamos nos dividir – sugeriu o guarda.
Cayenne assentiu.
– Cuidais da ala oeste, e eu da ala leste!
– Sim senhor!

Cayenne apressou-se para o quarto onde estava sua esposa.
Ao entrar viu que ela estava caída próxima a janela.
– Mina! Mina! Acordai!
Mina já não respirava mais.
– Não... isto não pode estar a acontecer.
Olhou para a cama onde seu filho estava deitado.
– Shen! Estou aqui filho!
Correu para o lado do leito, mas Shen também já estava morto.
– Meu Deus! Impossível! Ridículo!
Ajoelhou-se ao lado do filho.
– Não há perdão! – uma fúria arrasadora tomava conta de todo seu ser. – O império cairá!
Cego pela raiva, partiu para o acampamento imperial.

*****

Nash e Shadow haviam atravessado o acampamento e estavam a salvo discutindo se deviam ou não socorrer Doma, quando ouviram uma voz que bradava.
– Eu sou Cayenne, defensor de Doma!
– É o inimigo! Ataquem! – gritou um soldado imperial.
Ambos olhavam sem acreditar como um único homem poderia derrotar tantos guardas.
– Vamos ajudá-lo! – disse Nash avançando em direção a batalha.
Ao se aproximar Cayenne, recebeu um golpe que o levou ao chão.
– És amigo ou inimigo?
– Ai... não devia ter me metido no meio – disse ao se levantar. – Só quero ajudar!
– Obrigado, quem quer que sejais. Tomai cuidado senhor!
Os três conseguiram derrubar o primeiro grupo, mas chegavam mais soldados para impedi-los.
– Onde está o assassino de Doma? – gritou Cayenne quando o último soldado caiu.
Quando cessaram os soldados Cayenne agradeceu-os pela ajuda.
– Não há de que! Meu nome é Nash – estendeu a mão para Cayenne. – um príncipe de Figaro. Este é Shadow. Agora, vamos dar o fora daqui!
– Mas e o meu lar? Minha família? Meus amigos?
– Olha, se quer ficar vivo, temos que fugir agora!
Mal terminou de falar, outro grupo de soldados avançou em sua direção, o grupo era bem maior que o anterior.
– Oh-oh – olhando ao redor, Nash continuou. – Tive uma ideia! Por aqui!
Correram para trás do acampamento, onde haviam três armaduras magitek.
– Príncipe Nash, o que são estas coisas?
– Não interessa, suba!
Empurrou-o para a máquina. Os soldados se aproximavam.
– Príncipe Nash! Como controlamos estas abominações?
– Já estou a ficar farto! Já estou até a falar como tu! – tentava subir em sua máquina apressadamente. – Ouça! Use essas alavancas perto dos pés e das mãos!
Quando o príncipe se acomodou, Shadow já avançava com sua armadura. Ouviu um barulho e, quando olhou, a armadura de Cayenne estava descontrolada, andando em círculos.
– Príncipe Nash! Socorro! – gritava o guerreiro de Doma desesperado.
– Calma! Uma de cada vez! Tente de novo!
– Hey! Quem são vocês? – repreendeu um soldado entrando na frente.
A armadura de Cayenne começou a se locomover para a frente, atropelando o homem e seu grupo de soldados mais a frente.
Nash sorriu e, fazendo um sinal para Shadow, seguiram o guerreiro de Doma.
Quando Cayenne conseguiu parar, já havia deixado um rastro de soldados feridos.
– Vamos dar o fora daqui! – sugeriu Nash.
Então deixaram um acampamento um tanto quanto bagunçado para trás.

*****

Ao alcançarem uma distância segura, Nash parou.
– Ufa... Conseguimos! E agora? Tenho que ir para Narshe!
– Narshe? – perguntou Cayenne. – Então temos que ir pela floresta a sudeste.
– OK! Então vamos!
Deixaram ali as armaduras que usaram para fugir do acampamento e rumaram a pé, pois assim seria mais difícil o império localizá-los.
Andaram por umas três horas até alcançarem a floresta que se localizava entre duas cadeias de montanhas.
Era muito densa, chegava a se assemelhar a um pântano, devido a um grande lago no meio da floresta. A pouca luz que conseguia penetrar por entre as árvores se refletia na água trazendo uma luminosidade a mais naquele trecho da floresta.
– Vamos por aqui – guiou Shadow – temos que nos apressar para sair daqui antes que escureça.
Adentraram pela floresta até chegarem ao que parecia uma estação de trem.
– Um trem? – estranhou Cayenne. – Mas a linha de Doma não tinha sido destruída vários anos atrás?
– Talvez tenha alguém – disse Nash. – Vamos ver.
Todos concordaram e percorreram toda a plataforma de embarque. Não havia ninguém, somente o relógio da estação que marcava 2 horas. Nash aproximou-se da porta do penúltimo vagão.
– Príncipe Nash! – advertiu Cayenne.
– Não há nada aqui fora! Vamos dar uma olhada lá dentro!
– Príncipe Nash!
– Calma! – sorriu enquanto entrava.
– Príncipe Nash!
Vendo que não adiantaria suas advertências entrou junto com o jovem.
Interceptor rosnou porém seguiu seu dono.

*****

Nash entrou e deu uma boa olhada ao redor.
O vagão possuía vários bancos confortáveis, cortinas em todas a janelas e um grande tapete vermelho cobrindo toda a extensão do corredor central.
– Olha! Não tem problema nenhum!
– Eu vou sair! – retrucou Cayenne. – Não quero ficar aqui!
Neste momento o trem deu um solavanco, como que estivesse pronto para partir. Um olhar de espanto tomou conta da feição de todos.
– E...está saindo!
– Temos que sair!
Nash se adiantou à porta e forçou-a. – Não abre!
– Tarde demais – disse Cayenne com um tom obscuro.
– Cayenne, se você sabe que trem é este, comece a falar!
– Este é o trem fantasma, ele leva os mortos para... o mundo dos mortos.
– H-hey! Eu não quero ir para lá! – disse o príncipe espantado.
– Todos nós um dia iremos...
– Eu ainda tenho muita coisa pra fazer antes disso! Vamos tentar parar esta coisa!
Foram para o último vagão. Ao entrarem perceberam que era um vagão pequeno mas havia uma sala no meio. Shadow ficou em posição de combate, com três shurikens em sua mão, pronto para arremessá-las.
Acompanharam seu olhar e viram o motivo: um fantasma movimentava-se vagarosamente na direção deles.
  Espere! – disse Nash. – Parece que quer vir conosco.
– De fato – concordou Cayenne. – Não apresenta ameaça. Deixe-o vir conosco.
Voltaram para a sala central. Um homem, com trajes finos, se encontrava parado ao lado de uma mesa com um livro.
– Eu sou o dono do trem, o que querem?
– O que é este trem? – perguntou Nash.
– Este trem leva os mortos para o “outro mundo” onde encontrarão o descanso eterno.
– Como podemos pará-lo?
– Parar o trem? Somente com as alavancas na sala das máquinas.
Enquanto isso Shadow foi até o livro sobre a mesa.
– Serão os horários? – pensou consigo.
Folheou algumas páginas, estavam todas em branco.
O dono do trem virou-se para ele.
– O trem-fantasma leva as almas dos mortos do mundo dos vivos para o mundo espiritual, não há porque termos horários.
Nash aproximou-se de uma alavanca no canto da sala, esticou o braço para puxá-la quando Cayenne o interrompeu.
– Principe Nash, não devíamos mexer nisto!
Nash riu da preocupação do amigo, puxou a alavanca rapidamente e se afastou mais rapidamente ainda.
– Viu? Não aconteceu nada!
– Não! – Cayenne foi até a alavanca e voltou a posição inicial. – Não...
– Cayenne... está com medo?
Cayenne sacudiu a cabeça.
– Não mexei nisto! Só porque respeito o que é dos outros não quer dizer que tenho medo de máquinas!
– Cayenne, adimita – provocou um pouco mais –, você tem medo das máquinas!
– Silêncio! N... – concluiu embaraçado. - ...não é nada disso.
Nash assentiu com tom cômico. – Vamos então!
Avançaram então em direção à casa das máquinas a fim de pararem o trem.

Créditos da imagem: Isara-La
No caminho encontraram e duelaram com diversos fantasmas. Ao chegarem no segundo vagão foram cercados por diversos fantasmas, que repetiam “Não podem fugir, não podem se esconder!”.
Saíram do vagão, o ambiente não mudou muito. Haviam fantasmas nos dois lados do corredor, dezenas deles.
– Venham!
Nash e Cayenne olharam para onde tinha vindo a voz. Shadow estava no último degrau de uma escada que levava ao telhado do vagão. Seguiram-no sem muita escolha.
Os fantasmas se aproximavam subindo a escada também.
– Não podem fugir, não podem se esconder.
– Deixem-nos em paz! – gritou Nash, porém de nada adiantou.
– Estamos sem saída! – concluiu Cayenne.
Nash olhou de um lado, olhou do outro, percebeu que não poderiam pular do trem, estava muito veloz.
– Eu sei! – respondeu Nash.
– Tens alguma ideia?
– OK... Chegou a hora de ver se as aulas do mestre Duncan serviram para alguma coisa – afastou-se da beirada do vagão para pegar impulso. – Aí vou eu!
Correu o máximo que pode na direção do próximo vagão e com um longo salto aterrissou na beirada do vagão.
Shadow o seguiu e chamando seu cachorro, o mesmo pulou, aterrissando ao lado do dono.
– Venha Cayenne! É a sua vez! – chamou Nash.
Cayenne se afastou para pegar impulso, tomou velocidade e saltou. Ao ver que o amigo não alcançaria o vagão, Nash rapidamente estendeu a mão e agarrou-o. Quando puxou Cayenne para cima do vagão o velho teto não resistiu e desabou, levando os três para o chão.
– Ai! – resmungou Nash. – Minhas costas doem!
O fantasma que os acompanhava passou tranquilamente de um vagão para o outro.
– Não podem fugir!
– Hey! O que foi isso?
Os fantasmas que os perseguiam continuaram vindo em sua direção.
– Temos que soltar o vagão! – sugeriu Nash.
Entraram no próximo vagão e puxaram a alavanca que prendia um vagão ao outro.
Os vagões anteriores se distanciavam levando consigo seus perseguidores.
– Adeus! – disse Nash aliviado. – Vamos!
Atravessaram mais um vagão e chegaram ao próximo que guardava o restaurante do trem. As mesas estavam postas e tudo estava limpo. No centro havia uma mesa maior, onde todos poderiam se acomodar sem problemas.
Outro espectro se aproximou:
– Por favor, faça o seu pedido na mesa.
Todos trocaram olhares.
Nash se adiantou e sentou-se.
– Comida! Quero comida! Tragam tudo que tiverem! – exigiu batendo os talheres contra a mesa.
Quase que instantaneamente um fantasma entrou portando uma grande bandeja, serviu todos e se retirou.
– Isto tudo? – espantou-se Cayenne ao ver a fartura da mesa.
– Está preocupado com alguma coisa? – perguntou Nash rindo. – Olha que não se trava uma guerra com o estômago vazio!
– Hmm... príncipe Nash, por favor, não desejo ouvir estas coisas...
Porém o jovem não ouviu nada, já estava mastigando e bebendo despreocupadamente.
Após comerem o fantasma entrou novamente, retirou a mesa e saiu.
– Bem, eu já comi tudo o que tinha para comer, vamos embora!
Avançaram para o próximo vagão, este era mais luxuoso que os demais, talvez os vagões localizados na cabeceira do trem fosse da classe alta. Haviam duas salas em seu interior, entraram na primeira. Seu interior apenas confirmava o que pensavam, havia sofás com uma qualidade superior, uma mesinha que ainda continha uma garrafa de vinho empoeirada e um baú no canto, o príncipe se aproximou para verificar o conteúdo quando ouvira uma voz.
– Parem aí!
Procuraram então a origem da voz, quando viram um homem entrar triunfantemente pela janela, tinha trajes que cobriam o corpo todo, portava uma capa e seu rosto estava coberto.
– Eu sou Siegfried, o maior guerreiro do mundo. Esta arca é minha! Se fosse vocês saía daqui enquanto é tempo.
Sua ameaça não parecia ter tido muito efeito sobre o grupo, Nash não conseguiu segurar a risada e gargalhou.
– Parece mais uma menina com uma espada do que um guerreiro! Dê o fora!
Siegfried riu.
– Você confia muito em seus punhos! Permita-me apresentar-te a minha espada!
O estranho sacou sua espada e partiu para cima do jovem. Cayenne se preparou para entrar na batalha mas o príncipe com um sinal fez com que guardasse sua espada.
Nash bloqueou o golpe com sua garra de Mithril e, com um contragolpe certeiro, fez com que Siegfried recuasse.
– Impossível! E-eu sou o maior... – o guerreiro não acreditava no que tinha acontecido. – Ah! Mas eu serei o último a rir!
Apressou-se até o baú e apoderou-se do conteúdo.
– O tesouro da arca é meu! Adeus idiotas!
Alcançaram a porta mas o estranho desaparecera.
Prosseguiram em direção a casa das máquinas, atravessaram mais um vagão luxuoso e enfim chegaram à locomotiva.
O fantasma que os acompanhara desde o último vagão se afastou.
– Vamos! – convidou Nash.
O fantasma apenas acenou com a cabeça e partiu.
– Bom, parece que estamos por nossa conta agora – concluiu Nash.
Adentraram à locomotiva e puxaram os freios.
– Então são vocês que tem estado a me atrasar?
– Muito bem! Vocês lutaram por vossa liberdade. Vou-vos deixar sair.
– Paramos? – perguntou Cayenne.
Nash saiu pela porta do vagão.
A estação parecia ser a mesma de onde partiram. Ao sair do trem, o príncipe de Figaro não conteve a alívio.
– Finalmente conseguimos sair! Nós nunca devíamos ter entrado aí! Vamos embora!
Cayenne olhou para o embarque, havia uma fila de pessoas embarcando. Dois rostos familiares chamaram sua atenção.
– Não! Mina! Shen!!
– Cayenne, é sua mulher e seu filho?
O trem apitou.
– Está partindo?
Correu desesperadamente até o início da plataforma de embarque. O trem partira vagarosamente.
– Esperem! – gritou.
Sua esposa saiu, seguida pelo seu filho.
Cayenne se apressava logo ao lado de sua amada, aumentando a velocidade de seus passos enquanto o trem partia.
– Meu amor, fizeste-me tanto feliz...
– Pai, não te preocupes! Eu vou cuidar da mamãe...
– Mina... Shen...
Cayenne parou no final da plataforma, enquanto o trem dos mortos levando sua família se afastava.
Nash e Shadow aguardaram a despedida do amigo.
– Chorar os mortos não os traz de volta – disse Shadow.
Nash concordou pensativo.
O relógio marcava 2 horas...

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